Introdução
A Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), revisada pelo Ministério do Trabalho e Emprego em 2020, estabeleceu uma nova diretriz para a gestão de riscos ocupacionais no Brasil. Com ela, vieram instrumentos como o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO) e o Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), que deveriam elevar o patamar da prevenção nas empresas. No entanto, apesar da atualização dos documentos e da realização de treinamentos formais, um erro silencioso tem sabotado os avanços prometidos pela nova norma: o tratamento superficial da sua implementação.
Muitas organizações já atualizaram seu PGR, e seus profissionais de segurança estão familiarizados com os termos do GRO. Mas a pergunta-chave continua sendo negligenciada: as pessoas realmente entenderam o que estão fazendo — ou estão apenas preenchendo papéis?
A armadilha do cumprimento formal
O principal problema da NR-1 não está na norma em si, mas na forma como ela vem sendo tratada dentro das organizações. Em muitos casos, o cumprimento da norma se tornou uma formalidade. Ela é vista como mais uma exigência burocrática, uma tarefa restrita ao técnico de segurança do trabalho. Esse olhar reducionista distancia a segurança da cultura organizacional e compromete sua eficácia.
Segundo Edgar Schein (2010), a cultura organizacional é composta por valores compartilhados, práticas cotidianas e pressupostos inconscientes. Quando a segurança é encarada apenas como uma obrigação legal, sem conexão com a cultura e o comportamento coletivo, o resultado é um protocolo vazio: documentos são produzidos, treinamentos são realizados, mas o comportamento e as decisões cotidianas permanecem os mesmos.
Os sinais de uma aplicação automática
Alguns sinais mostram que a NR-1 está sendo aplicada de forma automática:
- • O PGR é elaborado, mas ninguém o consulta no dia a dia.
- • O mapeamento de riscos existe, mas não influencia a tomada de decisão nas operações.
- • Os treinamentos são obrigatórios, mas não geram mudança real de comportamento.
- • RH e lideranças não participam da construção da cultura de segurança.
Nesse cenário, a empresa até aparenta estar em conformidade, mas na prática continua exposta a riscos e vulnerabilidades que poderiam ser evitados com uma gestão integrada e consciente.
Uma oportunidade ignorada
A nova NR-1 não é apenas uma norma técnica. Ela é uma ferramenta estratégica de transformação. Se bem aplicada, ela pode:
- • Reduzir riscos operacionais e acidentes de trabalho;
- • Evitar retrabalho e minimizar passivos jurídicos;
- • Fortalecer o senso de responsabilidade entre os colaboradores;
- • Conectar segurança, cultura e estratégia de forma coerente.
Trata-se de um movimento em direção a sistemas de gestão mais maduros, como defendem autores como Drucker (1998) e Chiavenato (2004), que sempre destacaram a importância de processos integrados, liderança participativa e cultura organizacional como pilares da gestão eficaz.
Mas para isso, é preciso ir além do “papel”. A norma precisa ser vivida no campo real, nos comportamentos, nas decisões, nas rotinas de trabalho.
O que falta para a NR-1 gerar impacto?
O que falta, na maioria das vezes, não é recurso. É clareza e integração. Faltam profissionais que consigam traduzir a norma para a realidade da empresa de forma simples, prática e envolvente. Falta um processo que envolva as áreas de Recursos Humanos, Segurança do Trabalho e as lideranças como partes de um mesmo sistema. E faltam ferramentas que mantenham esse sistema vivo e em constante evolução — não apenas documentos arquivados para auditorias.
Uma pergunta incômoda, mas necessária
Sua empresa está aplicando a NR-1 com propósito ou só com medo de auditoria?
A resposta a essa pergunta define não apenas o nível de conformidade da sua organização, mas também o seu grau de maturidade em gestão e cultura organizacional.
A NR-1 pode ser um divisor de águas. Mas, para isso, ela precisa ser enxergada como oportunidade, não como obstáculo. E esse é um chamado para líderes, RHs e profissionais de segurança: não deixem que um protocolo vazio sabote a transformação que a norma pode proporcionar.


